Fígado gordo: sintomas, fatores
de risco e o plano de um português para combater a doença
20.07.2019
O projeto europeu Foie Gras, coordenado por um
investigador português, pretende encontrar um método de diagnóstico e
tratamento para o fígado gordo. Um problema de saúde grave que só se manifesta
quando já é tarde demais
Jornalista
Anos
e anos de bolos, refrigerantes e fritos podem ser tão maus para a saúde do
fígado como o consumo exagerado de vinho e vodka. É que o açúcar acaba por ser
tão tóxico como o álcool, resultando num grave problema de saúde – fígado gordo
não alcoólico (para distinguir dos casos associados ao consumo de bebidas
alcoólicas). Apesar de ser uma doença que afeta cada vez mais pessoas,
estimando-se que venha a tornar-se a primeira causa de transplante deste órgão
nos próximos anos, não há ainda forma fácil de a diagnosticar, nem sequer um
tratamento capaz de a reverter. Além disso, é um assunto do qual pouco se fala.
Paulo
Oliveira, investigador do Centro de Neurociências e Biologia Celular da
Universidade de Coimbra, está decidido a mudar este cenário. E tem quase três
milhões e meio de euros para o fazer. O cientista coordena um megaprojeto
europeu, com o muito ilustrativo nome de Fois Gras, que tem quatro grandes
objetivos: identificar os mecanismos biológicos que estão na origem do
problema, desenvolver um sistema de diagnóstico, testar o potencial terapêutico
de uma nova molécula e espalhar a palavra à população, alertando para a forma
de evitar a doença. A Europa está tão empenhada nesta missão que se juntaram 13
parceiros, de sete países, arrecadando financiamento do Programa Horizonte
2020, além de bolsas Marie Curie.
Comecemos
pelo princípio e pelo que os cientistas já descobriram acerca desta doença que
vai evoluindo em silêncio até se tornar uma ameaça de morte. Além de limpar o
sangue de toxinas (enviando-as para o rim, que se encarrega de as eliminar), o
fígado é ainda uma espécie de fábrica do corpo. É lá que os alimentos se
transformam em glicose, o açúcar que é a base de funcionamento das células. É
também no fígado que se armazena energia para os tempos de carestia, como se
fosse a bossa de um camelo. O açúcar em excesso acaba transformado em gordura,
acumulando-se no órgão (nos casos associados à bebida, é o álcool, depois de
metabolizado pelo organismo, que se transforma em gordura e se acumula). Esta
é, em linhas gerais, a descrição da maleita.
Mas
Paulo Oliveira, bioquímico dedicado à investigação de umas importantes
estruturas celulares de nome mitocôndrias, está preocupado em estudar os
detalhes. Se o fígado é a fábrica de produção de energia do corpo, as
mitocôndrias são as fábricas de produção de energia das células. É dentro
destas estruturas em forma de feijão que o açúcar vindo dos alimentos se
transforma em moléculas mais simples e que podem assim ser utilizadas pelas
próprias células. “No fígado queima-se gordura e um dos locais em que isso
acontece é a mitocôndria. Numa primeira fase, quando há excesso, as
mitocôndrias proliferam, porque há muita energia para trabalhar. Até que, a
dada altura, passam a funcionar mal e perdem a capacidade de queimar gorduras”,
resume o cientista.
CÍRCULO VICIOSO
É
aqui que começam os problemas, com o início deste círculo vicioso. Mas pode
também ser nesta fase que aparecem as soluções. Ao trabalharem de forma
deficiente, as mitocôndrias libertam produtos tóxicos. E são precisamente estes
materiais, libertados para a corrente sanguínea, que podem ajudar a
diagnosticar a doença numa fase mais precoce. Se aparecem no sangue, é porque
alguma coisa está a funcionar mal.
Os
cientistas do Fois Gras também estão a tentar desenvolver um teste que passa
pela análise do ar expirado, após a ingestão de um determinado produto. Se a
substância aparecer no sopro significa que não foi eliminada pelo fígado, sinal
de que há algo que já não está a trabalhar como devia. Outra estratégia passa
pela utilização de equipamentos de infravermelhos, através dos quais se tenta
perceber o que há de diferente no plasma de uma pessoa saudável – ao nível dos
infravermelhos – e no de um paciente.
Para
as amostras de sangue, o projeto contou com a colaboração da Associação
Protetora dos Diabéticos de Portugal. Precisamente porque este grupo de doentes
está em maior risco de desenvolver a doença. “Obesidade, diabetes e colesterol
elevado são os principais fatores de risco”, alerta o responsável do Núcleo de
Estudos das Doenças do Fígado da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna,
Arsénio Santos. Ou seja, é bem conhecido o perfil das vítimas de fígado gordo
não alcoólico. Mas, normalmente, os sintomas aparecem numa fase já avançada da doença
– “só quando há inflamação hepática é que aparecem alterações nas análises”,
explica o médico.
Nesta
fase, as células do fígado, hepatócitos, já estão a ser substituídas por
fibroblastos. Isto significa que há cicatrização do tecido – fibrose – que evolui
para cirrose e cancro. “A única coisa que podemos fazer é aconselhar o doente a
seguir uma boa alimentação, manter os níveis de açúcar e colesterol no sangue
controlados e a fazer exercício físico”, sublinha Arsénio Santos. É que ao
fígado gordo está associado um maior risco de doença cardiovascular.
“Há
mais de 20 anos, só víamos esta patologia associada ao álcool. Hoje, além
destes casos, também vemos muitos outros em que há uma ligação aos hábitos de
vida. Começam até a surgir problemas em crianças”, continua. Os Estados Unidos
da América são o campeão do mundo em número de casos, estimando-se que haja 80
milhões de norte-americanos a sofrer desta doença crónica. Em Portugal, serão
15% dos adultos – mais de um milhão de pessoas, 200 mil das quais com a forma
mais grave. O médico conclui: “Quando se consegue alterar os hábitos de vida,
há uma melhoria significativa. Mas é preciso que a mudança seja consistente e
permanente.”
SINTOMAS DA DOENÇA
Fígado aumentado
Fadiga
Dor na parte superior direita do abdómen (numa fase já muito avançada)
Inchaço abdominal (ascite)
Alargamento dos vasos sanguíneosà superfície da pele
Seios aumentados (nos homens)
Icterícia
FATORES DE RISCO
Colesterol
elevado
Nível elevado de triglicerídeos
Síndrome metabólica
Obesidade (sobretudo concentrada no abdómen)
Síndrome do ovário poliquístico
Apneia do sono
Diabetes tipo 2
Hipotiroidismo
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